
A notícia de que a venezuelana María Corina Machado recebeu o Prêmio Nobel da Paz surpreendeu o mundo e supostamente até mesmo ela, que declarou: “Estou chocada”— e confesso que também me chocou. Não pelo estranho reconhecimento em si, mas pelo simbolismo político que essa escolha carrega.
Mas se eu fiquei chocado, será que Corina estava realmente chocada? Ora, se ela foi indicada para o prêmio por Marco Rubio, que todos sabemos quem é, como ela não saberia disto? A tão falada influência dos governos norte americanos no Nobel é de conhecimento geral no planeta. Mas porque o Nobel, que é europeu e tem influência direta da União Europeia, se deixa dirigir pela política externa norte americana?
Será por subserviência? Não creio. O fato é que os interesses norte americanos se enquadram exatamente na visão colonial que a Europa tem do chamado Terceiro Mundo, nesse caso em especial, a América Latina.
Mas se eu fiquei chocado, será que Corina estava realmente chocada? Ora, se ela foi indicada para o prêmio por Marco Rubio, que todos sabemos quem é, como ela não saberia disto? A tão falada influência dos governos norte americanos no Nobel é de conhecimento geral no planeta. Mas porque o Nobel, que é europeu e tem influência direta da União Europeia, se deixa dirigir pela política externa norte americana?
Será por subserviência? Não creio. O fato é que os interesses norte americanos se enquadram exatamente na visão colonial que a Europa tem do chamado Terceiro Mundo, nesse caso em especial, a América Latina.
A cada nova premiação, o Comitê Nobel revela mais de si do que de seus laureados. E neste caso, o prêmio parece dizer menos sobre a paz na Venezuela e mais sobre o olhar com que a Europa ainda enxerga a América Latina: um olhar de tutela, de missão civilizatória, de poder moral sobre o destino alheio.
O argumento oficial para o prêmio é conhecido: Corina teria sido agraciada por sua “luta pacífica pela democracia” e pela “resistência ao autoritarismo”. Mas, na prática, trata-se de uma figura cuja atuação política foi marcada pela polarização, pela instabilidade e pelo alinhamento direto com os interesses de Washington e Bruxelas.
É portanto, legítimo questionar se o Nobel, nesse caso, premiou uma defensora da paz — ou apenas uma peça simbólica na engrenagem geopolítica ocidental.
Não entro aqui no mérito do governo Maduro. O que observo é o fato histórico e sociopolítico de que, mesmo com todas as dificuldades, ele tem apoio majoritário do povo venezuelano — o que o torna, ao menos sob o ponto de vista da soberania, uma expressão legítima de um projeto nacional.
A oposição, por sua vez, tem sido minoritária e sempre dependente do respaldo externo. Então, quando a Europa escolhe Corina como “símbolo da paz”, o que ela faz é legitimar uma oposição que internamente não conseguiu legitimidade nas urnas. Isso não é diplomacia, é interferência política simbólica.
E além de tudo, esse prêmio ainda pode incentivar ou até mesmo legitimar o assédio militar que os Estados Unidos do Governo Trump vêm fazendo a Venezuela. Fato que ao contrário de promover a paz, pode gerar uma crise geopolítica de proporções inimagináveis na América Latina.
Essa não é a primeira vez que o Nobel da Paz se torna um instrumento político. Henry Kissinger o recebeu em 1973, mesmo sendo o estrategista de bombardeios no Vietnã. Barack Obama o ganhou antes mesmo de governar, como prêmio pela esperança, por ser o primeiro presidente negro do Estados Unidos.
Aliás tenho sérias sérias suspeitas que a direita global se apropriou do identitarismo aí. Mas isso é assunto para outro artigo, e quando eleito presidente, Obama na prática não promoveu a paz. Em alguns momentos foi o contrário.
E é verdade que Yasser Arafat também recebeu o Nobel, em 1994, mas sua luta não pode e nem deve ser comparada a esses casos. Arafat ainda representa uma resistência histórica por um Estado palestino, uma causa humanitária e de justiça social que transcende fronteiras e desafia todas as escalas convencionais da política mundial.
O Oriente Médio nesse contexto, é um território de dores e de resistências que fogem a qualquer paralelo. Arafat não foi premiado por conveniência, mas reconhecido por uma luta que até hoje, continua sendo travada no campo da dignidade humana e contra o genocídio palestino.
Já no caso de Corina, o prêmio não parece traduzir um gesto de reconhecimento à paz, mas um recado político. O Nobel da Paz historicamente reflete os dilemas do próprio Ocidente. Ora tenta reparar sua consciência, ora reafirma sua influência.
O caso da Venezuela expõe exatamente isso — o uso do prestígio moral europeu como ferramenta de interferência nos rumos latino-americanos.
O colonialismo europeu, afinal, nunca desapareceu. Apenas trocou de roupa. A Europa que dividiu o continente em 1494 no Tratado de Tordesilhas, que saqueou o ouro do Brasil e a prata de Potosí, que impôs sua fé e sua língua aos povos nativos, continua hoje impondo sua narrativa e seu julgamento sobre o que é democracia, liberdade e paz.
Depois das independências latino americanas, os grilhões mudaram de forma, mas não de essência. No século XIX vieram os empréstimos britânicos e as ocupações francesas sob o pretexto de cobrar dívidas. No século XX, o colonialismo vestiu terno e gravata, FMI, Banco Mundial, planos de ajuste e doutrinas econômicas importadas que submeteram nossos povos à dependência.
E no século XXI, o colonialismo se tornou simbólico — o poder de quem narra o mundo. Quando a BBC, o Le Monde ou o El País decidem o que é democracia ou autoritarismo na América Latina, estão em essência reafirmando a velha hierarquia de quem fala e quem é falado.
Premiar Corina Machado, é portanto, reafirmar o mito civilizatório europeu. A ideia de que a América Latina precisa ser “corrigida e ensinada”, guiada pela razão ocidental.
A mesma arrogância que justificou a catequese indígena e a pilhagem de Potosí agora se disfarça de diplomacia humanitária e de reconhecimento moral. A retórica muda, mas o gesto é o mesmo, a negação da soberania e da maturidade política de nossos povos latino americanos.
Enquanto isso, seguem explorando o lítio, o nióbio, a Amazônia, o gás da Bolívia e a soja brasileira. Continuam comprando barato e vendendo caro, ensinando “democracia” e praticando protecionismo.
E agora, premiam opositores de governos que não se curvam aos seus interesses estratégicos. O Nobel, nesse contexto não é uma celebração da paz, não passa de uma extensão da política externa colonialista.
Por isso, repito, quando Corina declarou estar “chocada” com o prêmio, confesso que me identifiquei. Também estou. Mas o meu choque é outro, meu choque é perceber como o velho colonialismo europeu disfarçado de reconhecimento moral, continua decidindo quem são os heróis e os vilões da América Latina.
E enquanto isso, seguimos tentando ser ouvidos — não como discípulos, mas como povos livres e auto determinados.
Por Eli Mariotti




